13 de set. de 2010

As latas

Acordei esbravejando. O relógio em cima da cabeceira indicava ser vinte três e horas e cinco minutos, não fazia nem meia hora que eu havia dormido. Malditos gritos, alguém brigava na rua. Vesti o roupão e fui até a sacada ver o que acontecia. Mendigos desgraçados! Resolveram brigar bem em baixo do meu apartamento. Havia três deles, dois homens e uma mulher. Eram negros, vestiam nada mais do que trapos sujos. Apesar do sono, tentei organizar os pensamentos e entender a cena.
            Os três estavam em volta da lixeira do meu prédio. De um lado um dos homens e a mulher, davam a impressão de ser um casal. Do lado oposto estava o outro mendigo, segurando um grande saco asqueroso. Comecei a entender a cena, eram catadores de lixo, e brigavam por um saco cheio de latinhas de cerveja. Não pude conter o riso, mas me controlei para que não me vissem. O saco era meu, nele havia as latinhas das cervejas que meus amigos e eu tomamos no fim de semana. Tentei ouvir o que discutiam.
             – Vaza daqui Pedro, já te falei que essa zona é minha, pula fora!
– Não fala merda homem, desde quando catador tem zona?
– Tu sabe que o lixo aqui na volta sô eu que junta. Deixa esse saco aí ou vamo acaba brigando.
– Não arruma briga Zé é só meia dúzia de latinhas, vamo embora, deixa ele leva, já tá tarde, ele é maior que tu – realmente o que a Mulher dizia era verdade, enquanto o tal Zé era extremamente magro, o outro possuía um considerável porte físico.
– Não vai levar nada! Essa quadra aqui é nossa, porra, ele sabe disso, tá fazendo sem-vergonhice, o saco é nosso e não vou embora sem ele.
– Ouve a tua mulher rapaz, eu cheguei primeiro que vocês, o saco é meu.
Eu estava me divertindo com tudo aquilo, o sono já havia passado completamente.
– Tu chegou primeiro porque veio de bicicleta desgraçado!
– Olha lá como tu fala comigo, não quero briga nem papo com vocês, as latas são minhas e ponto – nisso Pedro levou a mão em direção ao saco.
– Tira a mão daí ou te quebro todo! – gritou Zé.
– Me solta rapá, tu não sabe com quem tá mexendo.
– Zé, pára Zé, vamo embora, não briga, vamo embora por favor! – a mulher gritou desesperada, mas o marido não lhe deu ouvidos.
Nisso um dos catadores se desvencilhou do outro, foi pro meio da rua andando de ré e chamou o outro fazendo um gesto coma mão.
– Tu quer briga filho da puta, então vem, agora me irritei mesmo, vem se tu é macho.
– Não briga Zé, vamo embora, não briga pelo amor de Deus! – gritava a mulher desesperada, mas já era tarde. Zé atirou o boné longe e foi para o meio da rua, punhos cerrados. Era uma luta desigual, ou outro se ria como se já tivesse a vitória em mãos. Mas Zé apesar de ser magro e pequeno foi quem tomou a iniciativa, partiu pra cima e deu logo um soco, o outro balançou, levou a mão até os lábios, caminhou para trás e levou mais dois socos. Amanhã o pessoal do escritório não vai acreditar nessa história, pensava comigo mesmo.
Apesar de ser noite, era claramente visível o sangue escorrendo no rosto do catador. Zé parou por um instante, e foi aí que cometeu o erro. O outro puxou da cintura algo que me parecia ser uma barra de ferro, e golpeou-lhe fortemente a cabeça. Zé recuou levando as mãos ao rosto, mas logo em seguida vieram mais dois golpes na face, até que caiu. A mulher corria em círculos e gritava por socorro. O outro caiu por cima de Zé e desferiu um, dois, três, quatro, tantos foram os golpes na cabeça de Zé que até perdi as contas. A mulher correu em defesa do marido, mas o outro simplesmente lhe deu um soco, atirando-a longe. Zé estava morto, ninguém poderia sobreviver aquilo.
O outro se levantou, cuspiu em Zé, foi até a lixeira, pegou o saco, subiu na bicicleta e foi embora. A mulher ali ficou, ajoelhada em cima do corpo do marido, gritando por socorro, que salvassem Zé. A luz vinda da lâmpada de um poste próximo reluzia na imensa poça de sangue. Ao longe escutei sirenes, me irritei. Já não bastava aquela mulher aos berros, agora ainda viria a polícia, IML enfim, seria uma confusão ainda maior, e eu tinha de levantar cedo pela manhã.
Na verdade eu tinha perdido sono, fui até a sala e liguei a TV, com o controle remoto corri pelos canais. Que merda, mais de setenta canais e não havia nada que prestasse. Voltei pra cama, minha esposa continuava dormindo, não sei como não acordara com toda aquela confusão. Me virei pro lado e tentei dormir, a mulher continuava gritando.

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