26 de set. de 2010

Acertando as contas

            Por volta de onze e meia estacionei o carro sob a sombra  de uma árvore, há três quadras de distância da escola Mário Quintana. Trazia comigo três amigos, Nenê, Calucho e o Caveira. Descemos. Nenê e Calucho se sentaram no cordão da calçada, enquanto eu e o Caveira nos escoramos na lateral do carro. O auto era meu, herança do meu pai, um velho Chevette setenta e nove, verde, bem conservado para a idade.
            “Tens um cigarro aí, negão?” me perguntou o Caveira. Retirei do bolso de trás da calça jeans surrada uma carteira de cigarros, um isqueiro e lhe alcancei. O Caveira era um moreno alto, magro, cabelo curto, dentes amarelados, queixo quadrado. Morava na mesma rua que eu. Tinha fundas olheiras escuras, e até um tempo atrás era um cara forte, robusto. O pessoal desconfiava que ele tava na pedra.
            “Puta que pariu, que calorão dos diabos! To pingando suor” exclamou o Calucho.
            “Porra véio, tira essa camisa, como é que não vais sentir calor!?” disse o Nenê.
            “Ele ta dando uma de tímido hoje, não quer mostrar os peitinhos pra nós” falei. “Quando tiver teu filho, os peitinhos pra dar de mamar pra ele tu já tem” todos rimos alto, exceto o Calucho.
            “De mamar eu vou dar é pra tua mãe, isso sim” disse Calucho e todos rimos mais alto ainda.
            Calucho era um negro gordo, barrigudo, baixinho. Vestia um macacão jeans já bem gasto, uma camiseta branca por baixo e um boné dos Lakers virado para o lado. Pelo rosto e pelos braços escorriam grossas gotas de suor. A gente tava sempre debochando um do outro, mas éramos amigões, quase como irmãos. Eu podia chamar ele pra qualquer que fosse o rolo que ele tava pronto pra me ajudar, e vice e versa.
            “Será que vai demorar muito? Tenho que almoçar e pego no trampo à uma e meia.” Perguntou Nenê enquanto limpava os dentes com a unha do dedo mínimo.
            “Fica tranquilo que é jogo rápido” respondi.
            “Vira concreto nesse sol é de matar. Só vou esperar juntar uma grana boa que dê pra comprar uma moto e vou saltar fora”.
            Nenê era um cara mediano, tinha a pele amarelada, a cabeça raspada. Vestia apenas um calção preto e um Quiks laranja. No abdômen se via a grande cicatriz, resultado de uma briga que ocorrera há uns anos na saída de uma festa. Por causa dessa briga Nenê pegou um ano de cana e perdeu o serviço que tinha de empacotador do BIG. Quando saiu veio me pedir auxilio, falei com um amigo e consegui um emprego de servente pra ele numa obra no centro. O sonho dele era comprar uma moto abrir uma tele entrega, mas estava difícil para concretizá-lo, pois no final do mês gastava mais da metade da grana tomando cachaça e fodendo as putas.
            Às onze e quarenta e cinco começaram a passar pela rua os primeiros alunos, uma playboyzada, que vestia moletom vermelho e calça de abrigo azul, o uniforme característico da escola.
            “Vamo fica atento, ta quase na hora” falei. Os dois que estavam sentados se levantaram. Enquanto os estudantes passavam, eu vigiava atento. Somente quando faltavam cinco para o meio dia é que o tal Ricardo foi aparecer. Um garoto magro, de estatura média, loiro, cabelos lisos pelos ombros, vestia o uniforme e carregava uma grande mochila preta. Um merdinha, seria mais fácil do que havia planejado. Vinha de mãos dadas com uma garota ruiva. Entramos no Chevette e fomos seguindo. Os dois andaram por três quadras, dobraram numa esquina e caminharam mais duas, até que pararam em frente a um grande casarão. Ele beijou a guria, se despediu e ela entrou.
            O cara seguiu caminhando, distraído, com os fones no ouvido. A ação foi rápida. Encostei o carro ao lado dele, Calucho e Caveira desceram num pulo. Ricardo não teve sequer tempo de gritar por socorro, pois Calucho, com os braços grossos, lhe aplicou um mata leão ao redor do pescoço enquanto Caveira pegava das pernas. Atiraram-no no banco de trás do carro, onde Nenê esperava. Nenê lhe aplicou dois violentos socos na barriga e disse “Nem pensa em gritar, porque vai ser pior pra ti”. Caveira correu e sentou na frente, ao meu lado. Parti a toda velocidade. A ação não durou mais que trinta segundos.
            Pelo espelho eu via a cara dele, mistura de medo e dor.
            “Por favor, podem levar tudo que eu tenho, meu celular, roupas, tênis, meu iPod, dinheiro, mas por favor não me machuquem” disse ele, mas não respondemos. “Eu não tenho muita grana aqui, mas eu posso ligar pra minha mãe, ela arranja mais, só precisa ir no banco”.
            “Ricardo, é esse o teu nome, não é?” perguntei. Ele permaneceu em silêncio, olhos arregalados. Calucho lhe aplicou um forte soco no rosto, que logo inchou formando um hematoma roxo logo abaixo do olho direito.
            “Ele tá falando contigo, responde”.
            “Si-sim, me chamo Ricardo.”
            “Então, seu Ricardo, só queremos conversar um pouco com o senhor, coisa rápida, enquanto isso lhe aconselho a ficar calado. Mas é só um conselho, pois se o senhor não tem amor pelos seus dentes pode falar a vontade, né Calucho?”. Meus amigos caíram na gargalhada.
            “Olha a cara desse viado, ta todo cagado” disse Nenê.
            Eu dirigia a noventa por hora, em direção a um terreno abandonado que ficava na zona do porto. Em quinze minutos chegamos lá, o local estava deserto. Descemos. Calucho segurava Ricardo por um braço, nós ao redor, caso ele tentasse escapar. No meio do terreno tinha os escombros do que havia sido um grande casarão. Nos dirigimos para a parte de trás, embaixo de uma imensa árvore.
            “Amarrem ele na árvore, como combinamos” falei. Os três fizeram Ricardo abraçar a árvore e amarraram os braços e pernas dele com cordas. Ele não falava, apenas assistia a tudo, com os olhos arregalados, o corpo todo tremendo.
            “Cuidado pra não mijar nas calças, hein” disse Calucho com ar debochado.
            Depois de terem amarrado o cara, eu disse “Bem senhor Ricardo, agora vamos conversar”. Puxei três tijolos improvisei um banco e sentei a uns dois metros da árvore. Meus amigos ficaram em pé, apenas observando a cena.
            “O senhor por acaso conhece a Maria não é?” eu perguntei, mas ele não respondeu.
            “Olha, eu não gosto de ser ignorado... então é melhor você responder as minhas perguntas”.
            “Sim, conheço a Maria”.
            “Pois bem, então quem é a tal Maria?”
            “Era uma guria que eu tava ficando”.
            “Você não deve saber, mas eu sou o irmão da Maria. E pelo que ela e as amigas me contaram, você comeu ela, tirou a honra da minha irmã, e depois meteu um pé na bunda dela, não é isso?”
            “Não! A gente namorava.”
            “Opa! Mas tu não acabou de dizer que ficavam? Agora já diz que namoravam?”
            Nenê, Calucho e Caveira assistiam à cena calados, eles sabiam que apesar do meu tom irônico eu estava puto da cara.
            “É que a gente não ficou muito tempo juntos, só uns dias”.
            “Não me interessa se foram apenas uns dias ou anos, e sim que tu, playboy de merda, comesse a minha irmã”.
            “Ela também tava a fim, eu não forcei nada cara”.
            “Pra que lugar tu levava ela pra foder?” perguntei, e meu tom agora saiu seco, sério. Eu olhava fundo nos olhos daquele desgraçado. Ele não respondeu, abaixou a cabeça e começou a chorar. Me levantei e repeti a pergunta.
            “Pra que lugar tu levava ela pra foder?”
            “Lá pra casa”.
            “Pra que lugar da tua casa? Anda, responde filho da puta!” gritei.
            “No quarto da empregada” disse ele baixinho, de cabeça baixa.
            Passei a mão pelo rosto tentando me controlar, eu sentia o ódio percorrer todo o meu corpo.
            “Vocês ouviram, esse mauricinho de bosta comia a minha irmã no quarto da empregada” disse olhando para os meus amigos.
            “Vamo quebra esse cuzão” falou Calucho entre dentes, ele também tinha raiva no olhar.
            “Calma, eu já sei o que vou fazer”. Voltei a encarar o Ricardo. “Quantos anos tu tens, cara?”
            “Tenho dezessete”.
            O pau no cu tinha a mesma idade que eu.
            “E tu sabe quantos anos tem a minha irmã?”
            “Tem catorze”.
            “Não, ela tem doze”.
            “Mas ela me disse que tinha catorze, eu juro”.
            “Ela ficou grávida” cerrei meus punhos ao pronunciar essa frase. Ricardo ficou estupefato.
            “Eu não sabia, cara, te juro que não sabia, ela não tinha me contado. Mas eu te prometo que eu assumo a criança, pago uma pensão e tudo”.
            “Eu já fiz ela abortar. Não ia deixar uma irmã minha ter filho teu. Antes ficasse prenha de um mendigo qualquer. Mas não me importa a gravidez. Não me importa a idade dela, a tua idade, se tu forçou ela ou se foi ela quem quis te dar. Nada disso me interessa”. Me aproximei mais dele. Me abaixei e com um graveto fiz uma linha no chão, de um lado ele, do outro eu..
            “Ta vendo essa linha aqui? Isso é o que me importa. Se eu atravessar ela, vou ter que sofrer as conseqüências, e se tu atravessar, também vai ter que sofrer. E tu atravessou e veio muito para o lado de cá, entende”
            Ele me olhava espantando, com o rosto molhado pelas lágrimas, não entendia nada que eu falava.
            “Agora eu vou ter que te punir cara, e tem que ser algo forte, pra servir de exemplo pros outros também. Abaixem as calças e cueca dele”.
            “Pô cara, pra que isso, eu peço desculpas, se tu quiser consigo uma boa grana pra tua família, mas não faz isso, eu sou homem” disse ele chorando feito um bêbe.
            “To vendo o quanto tu é homem” falei egargalhando, enquanto Caveira abaixava as calças dele. “Mas ninguém aqui vai comer teu cu rapaz, não te preocupa quanto a isso, temos nojo de ti.”
            Me afastei e olhei no terreno em volta. Atirada a um canto estava uma velha garrafa plástica de refrigerante. Peguei a garrafa e gritei pro Nenê “me atira o isqueiro”. Ele me atiro, ele e os outros não sabiam o que eu tinha em mente. Puxei do bolso da frente das calças um pequeno rojão.
            “Seu Ricardo, o senhor ta vendo isso aqui” falei segurando o rojão entre dois dedos “isso aqui é o famoso b12, praticamente uma bomba. Que tal ver o poder destrutivo dessa belezinha?”.
            Destampei a garrafa, acendi o b12, joguei pra dentro e tampei novamente, o mais rápido que consegui. Joguei a garrafa ao lado de Ricardo. Dentro de uns segundos veio a grande explosão. Uma nuvem de fumaça se levantou, deixando um forte cheiro de pólvora no ar. Ricardo entrou em choque, não piscava, a boca aberta.
            “Cara, tu não vai fazer isso que eu to pensando, né?” perguntou o Caveira rindo.
            “Abre o cu desse filho da puta.” Mal terminei de falar e Ricardo começou a berrar desesperadamente e a implorar que não fizesse aquilo. Quanto mais ele chorava e gritava, mais eu me sentia excitado. Tirei outro rojão do bolso e me aproximei.
            “Meu, tu só pode ser louco!” disse Calucho.
            Caveira afastou as duas nádegas do filho da puta. Enfiei metade do rojão pra dentro do cu dele e acendi. Nos afastamos rápido. Eu estava calmo. Tentava imaginar o que se passava na cabeça daquele cara, enquanto ele gritava, nos segundos que antecederam a explosão.

2 comentários:

  1. Vai gostar de escrever assim lá depois da esquina tche...rsrsr
    Parabens pelo blog e pelo talento.
    Abraços!

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  2. Bueno, o que dizer disto?

    O orgulho que ainda sentimos - inerente à existência - afeta a todos, sem distinção. Ainda fazemos guerras e destruímos nações pelos que amamos, só que mudamos o contexto para "formamos gangues" e "destruímos famílias". Por quê? A resposta está implícita no texto.

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